segunda-feira, 26 de maio de 2008

UM GAY AFRICANO (E POR QUE SURPRESA?)!

GISENYI (RUANDA) – Alguns dias atrás eu vi algo que me chamou muito a atenção. Vi pela primeira vez nessa viagem um gay africano.
Eu chegava de manhãzinha ao hotel em Gisenyi e, após o check-in, fui levado ao meu quarto. Mas a camareira ainda o arrumava, e tive que esperar alguns minutos no corredor. Foi quando um funcionário do hotel que passava me abordou. Me deu as boas vindas, perguntou se estava tudo bem, se eu precisava de alguma coisa.
Agradeci, disse que estava tudo bem, e na hora, mesmo após apenas alguns segundos de conversa, me pareceu que ele tinha trejeitos de um homossexual. Para não deixar dúvida quanto à impressão, duas camareiras que viram a cena imediatamente olharam uma para outra e começaram a rir, balançar a cabeça e a falar em kinyarwanda, o idioma local, como se dissessem: “esse aí não tem jeito mesmo”. Como se o cara fosse um tipo de aberração.
E por que estou surpreso? Porque aquilo que disse o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, há alguns meses, de que no seu país “não existem homossexuais”, se aplica perfeitamente à África.
“Não existem”, com todas as aspas que puderem ser colocadas, porque não aparecem. Se aparecerem, são ridicularizados, perseguidos, estigmatizados, levam porrada, vão para a cadeia ou pior. Evidentemente, não tenho elementos para dizer que as pessoas comuns em geral sejam hostis. Acho até que não: o africano médio é bastante tolerante. Mas existe um ambiente político muito nocivo aos homossexuais.
Em muitos países, homossexualismo é crime. Na semana passada, o presidente da Gambia, no oeste africano, Yahya Jammeh, deu 24 horas para os gays deixarem seu país. Caso contrário, teriam a cabeça cortada.
Mas é óbvio que os gays existem. Neste continente, talvez a África do Sul possa ser considerada uma exceção na tolerância à homossexualidade, ainda assim apenas em alguns redutos, como a Cidade do Cabo.
Cada vez me convenço mais de que na África faltam acontecer duas revoluções essenciais.
A primeira é a revolução capitalista. Praticamente todos esses países saíram de séculos do colonialismo mais perverso e caíram direto em economias socialistas utópicas, matando qualquer espírito empreendedor.
E a segunda é a revolução sexual, que traz na sua esteira a emancipação feminina (a condição da mulher na sociedade africana em geral é subalterna, para dizer o mínimo), o planejamento familiar, a discussão sobre doenças sexualmente transmissíveis e a tolerância a outras orientações sexuais.
Não é por acaso que os mais altos níveis de contaminação da Aids do mundo estão aqui. Perdeu-se muito tempo até que se começasse a falar sobre sexo seguro, camisinha... Os exemplos mais bem sucedidos de combate à Aids na África, como em Uganda, foram na verdade à base da promoção da abstinência.
Na África, sexo é tabu. Não se vêem casais (heterossexuais mesmo) de mãos dadas passeando pelas ruas. Beijos públicos, nem pensar. Não se mostra o corpo. Pode estar 40 graus à sombra, mas é todo mundo de calça comprida, muitas vezes também de camisa de manga comprida. Mulheres, de vestido até o pé.
Sobre isso, tive uma experiência cultural emblemática há algumas semanas.
Eu viajava de ônibus na Tanzânia e comecei a acompanhar o filme que colocaram no vídeo a bordo. Era falado em swahili, mas o enredo era tão simplório que eu consegui entender o básico. E a viagem era longa, então...
Um casal vivia feliz, até que a mulher teve um acidente de carro e ficou paralítica. O marido começa a perder o interesse nela por causa disso, e a melhor amiga da acidentada se aproveita da situação e começa a seduzir o cara.
A cena clímax da “sedução”, quando o homem finalmente entrega os pontos, é fantástica. Os dois sozinhos numa sala, a mulher se aproxima, põe os braços em volta do pescoço dele e dá...um abraço. E corta a cena. Nenhum beijo, muito menos uma cena de cama, só um abraço. Na próxima cena, é de manhã e os dois estão tomando café. Você então deduz que eles passaram a noite juntos.
Esse é o máximo a que se pode chegar. Nesse ambiente, a atitude do funcionário do hotel de Gisenyi é quase revolucionária...

Escrito por Fábio Zanini na Folha de São Paulo.

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